Liberdades violadas

O inusitado da situação teve início na segunda-feira, quando, atônito, fui chamado à redação com a informação de que Crusoé e O Antagonista estavam sob censura, por ordem de ministro do Supremo Tribunal Federal, e em razão de publicação jornalística baseada em documento verídico e de inegável interesse público.

Confesso que, por muitas vezes, advogando em defesa das liberdades de expressão e de imprensa, me deparei com decisões liminares deferidas de forma afoita, determinando que algum conteúdo fosse retirado do ar, ou que algum veículo fosse impedido de publicar alguma reportagem. Eram decisões que demandavam empenho jurídico urgente, sem dúvida, mas havia a confiança em que os tribunais estaduais revogariam a medida extrema. E, se não o fizessem, ou, mais comum, se demorassem, havia o sentimento íntimo de conforto, em razão de entendimento pacificado do Supremo de que a liberdade de imprensa era plena.

O fato de um veículo de comunicação se ver sob censura, portanto, não foi a razão do meu estranhamento. O inusitado provinha de ter sido a decisão censória emanada do mesmo Supremo que, por tantas vezes, recebeu e acolheu os reclamos da imprensa. Pior, decisão proferida sem abertura ao contraditório, sem reflexão jurídica exauriente.

A decisão foi impugnada, a multa deferida foi enfrentada e o depoimento do publisher de Crusoé à Polícia Federal foi prestado sem que à defesa fosse oportunizado o acesso aos autos do inquérito. Até o momento, sequer soubemos o porquê da multa, se cumprida integral e imediatamente a decisão. Tampouco soubemos o porquê da investigação, e, gravíssimo, quem está sendo investigado. Sim, os depoimentos foram ordenados sob tais condições.

Não à toa, tanto na peça de enfrentamento, apresentada ao Supremo, quanto no depoimento à polícia, um termo bastante utilizado foi “kafkiano”. A sensação era essa: todos nos vimos na pele da personagem de Kafka, vítima de uma burocracia que afogava todo e qualquer direito cidadão e democrático.

O inusitado é tamanho, que a incômoda situação vivenciada, com a devida licença, me permite dizer, em razão do clamor nacional, e, diga-se, internacional, que toda a sociedade está diante de uma situação intolerável, imersa em ordens desordenadas, decisões sem processo, multas injustificadas.

A expectativa de todos me parece ser uma só: que a corte retome suas próprias rédeas, recomponha-se nos seus próprios trilhos e mostre à sociedade que a voz que se manifestou contra a liberdade de imprensa e de expressão, a voz que ecoou censória, restou equivocada. E, sendo otimista, de mais a mais, jogou luz na necessidade de que se perceba que a luta pela liberdade de manifestação não é apenas uma luta dos jornalistas e dos veículos de comunicação, mas uma luta pela própria existência, manutenção e fortalecimento das instituições democráticas do Estado de Direito, dentre as quais, claro, figura de forma altiva e muito importante, o nosso Supremo Tribunal Federal.

Artigo publicado originalmente na Revista Crusoé.

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