O humor no banco dos réus

Liberdade de expressão não precisa provar nada para ninguém para poder ser exercida

Quem acompanha na imprensa as cada vez mais frequentes notícias relacionadas à liberdade de expressão nota a quantidade enorme de pessoas que, sob os mais variados pretextos, e sempre de forma restritiva, busca definir o que deve ser, e, sobretudo, como deve se comportar o direito à livre expressão.

As definições se baseiam no lugar comum de que não existe direito absoluto, e que, para ser exercida com responsabilidade, a liberdade de expressão tem de ser ponderada, além de, como diria o cancionista, carimbada, avaliada e rotulada, se quiser voar.

Tirante os conhecidos abusos de(o) poder sobre a imprensa, os casos mais intrigantes relacionados ao cerceamento da livre manifestação certamente dizem respeito ao humor, gênero que desde tempos imemoriais serve como plataforma de crítica social – ridendo castigat mores.

Para não abusar dos exemplos, e cansar o leitor, basta a lembrança das recentes condenações de Danilo Gentili e do humorista Dihh Lopes, aquele à prisão, e este ao repúdio público de diversos grupos e entidades de advogados que, em relação a ambos, afirmaram categoricamente que piada não pode ser confundida com ofensa. Será mesmo? Arrisco dizer que tal afirmação não resiste a uma breve pesquisa sobre a história da comédia.

Entendo que o diferente desconcerta, retira os parâmetros de avaliação, mas é grave que se torne uma questão jurídica dizer o que é ou não é humor, ou em qual região da expressão humana algo simplesmente descola da possibilidade de ser visto como uma piada. Qualquer critério, nesse sentido, além de alheio à técnica jurídica, é também subjetivo, e a subjetividade grassa como parâmetro aceitável apenas em regimes pouco afeitos à democracia.

Alguém perguntará: se não o Judiciário, quem colocará peio no humor apelativo, de mau gosto, incômodo?

Não nego que o Direito sirva ao desejo humano de controle social, compactuo com quem entende que a previsibilidade jurídica aplaca até mesmo uma certa angústia do homem, perdido diante das incertezas de estar vivendo seu tempo em uma sociedade atropelada por estímulos, mas assevero que o Direito, em uma desejada democracia, serve, acima de tudo, para garantir a ausência de controle sobre direitos fundamentais específicos, dentre os quais, evidentemente, o que a sociedade prenominou com o termo liberdade.

No Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles já indefinia a liberdade magistralmente: “essa palavra (…) não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda”. Difícil saber o que é liberdade, fácil saber que, limitada por qualquer parâmetro, liberdade não é.

A liberdade de expressão não precisa provar nada para ninguém para poder ser exercida. Nenhum desgaste, desconforto, dissabor, justifica controlar a liberdade. A crítica mais suave ou mais ácida, a piada mais sutil ou mais agressiva, podem resultar em um humor de boa ou de má qualidade, mas não devem interferir no exercício da liberdade de expressão.

Fabre d’Églantine, personagem pouco conhecido, mas muito ativo da Revolução Francesa, em defesa da livre expressão, dizia que a arma mais terrível do povo francês contra a tirania era o ridículo. Como dele, sobremaneira em nosso país, parece nunca estarmos livres, nos resta optar por aceitá-lo na livre expressão dos humoristas, ou na tentativa de seu controle. Fico com a primeira opção, e seguirei atuando firmemente contra a última. Parece-me um lado bastante mais correto.

Artigo publicado originalmente no Jota.

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