A Liberdade e a Constituição

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É curial que a Constituição, como Lei de comando e disciplina da sociedade e da organização do Estado, deverá ser interpretada e assimilada de forma consentânea com a sua real natureza jurídica de norma positiva, evitando-se os casuísmos e as especificidades comuns aplicadas às leis ordinárias.

Até porque, não é ela um simples repositório de doutrinas, mas sim um instrumento de governo, que determina a liberdade, porém disciplinando e alicerçando as bases estruturais, políticas e sociais do País.

Como disse o saudoso jurista Carlos Maximiliano: “O Código fundamental tanto prevê no presente como prepara o futuro.”

A despeito dessas premissas, são constantes as tentativas casuísticas de regulações constitucionais, levadas a efeito por muitos nessa seara, malgrado o fato de que, como bem disse o notável Maximiliano:

“Quando o estatuto fundamental define as circunstâncias em que um direito deve ser exercido, ou uma pena aplicada, esta especificação importa proibir qualquer interferência legislativa para sujeitar o exercício do direito a condições novas ou estender a outros casos a penalidade”.

Vige no Brasil uma Constituição declaradamente democrática, em cujo texto é consagrado, como direito fundamental e pétreo, a liberdade de expressão na sua absoluta plenitude ou, como expressa a própria Carta, livre de qualquer censura ou licença.

Como foi dito, volta e meia são postas em prática, sob as mais diversas justificativas, tentativas de interpretações muitas vezes restritivas nessa área, por vezes até casuísticas, conduzidas pelos que, supostamente, temem os efeitos do direito positivo ou o fato de  se ter livre a manifestação do pensamento, das ideias e das informações no País.

Assim, se a Constituição é determinante sobre a liberdade de expressão, está claro não ser tal proposição fundamental oriunda de conclusões exegéticas, mas sim de princípio pétreo, ao lado do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, sendo, destarte, manifestamente inconstitucional qualquer posição conflitante com a letra da Carta.

Em escrito há algum tempo por nós divulgado, destacamos que a evolução cultural, diferenciadora dos povos, deriva da liberdade de uns em relação a outros, no tocante a maior ou menor autonomia ou direito de externar, sem censura, suas ideias e disseminar suas opiniões, criações e descobertas.

Vale aqui também citar as ótimas palavras do ex-Ministro Ayres Brito, quando relator no julgamento  da extinção da lei nº 5.250/67, dita lei de imprensa, quando disse que qualquer regulação sobre a liberdade de expressão, seria: “…inescondível tentativa de embaraçar, restringir, dificultar, inibir aquilo que a nossa Lei das Leis circundou com o mais luminoso halo da liberdade em plenitude.”

O halo da plena liberdade traduz com exatidão a significância de tal princípio, porém o seu exercício obviamente não confere aos exercentes o bastão da desatenção aos princípios básicos do direito, tampouco de eventual ou personalíssima independência, religiosa, filosófica ou política, para se eximir do cumprimento de obrigação legal e cometer qualquer ilicitude.

Os atos deverão ser realizados com plena liberdade, porém as infrações eventualmente cometidas em tais realizações, deverão ser julgadas e, se for o caso, condenadas com rigor.

O que não significa impedimento ou obstáculo à livre expressão das ideias e do pensamento, tampouco a possibilidade jurídica de aplicação de censura, extinta das letras jurídicas do Brasil, por determinação do próprio Estatuto Supremo.

Artigo publicado originalmente no Migalhas.

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