O que faltou falar sobre o artigo de Hélio Schwartsman

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Durante uma entrevista ocorrida muito tempo atrás, o saudoso humorista Bussunda lembrou que, todo fim de ano, o presidente do clube de futebol para o qual torcia vinha a público e anunciava a contratação bombástica de uma estrela do futebol internacional.

Todos sabiam que a contratação não ocorreria. O intuito, claro, era de mexer com a torcida, mas, mesmo assim, os jornais do dia seguinte noticiavam o anúncio da contratação, e não a estratégia costumeira do dirigente.

De forma divertida, Bussunda criticava uma parcela da imprensa que, com a feroz velocidade dos nossos tempos, deixava-se levar pela pressa, e não pelo apuro. O humorista, sem se dar conta, mostrava um contorno cada vez mais comum de nosso comportamento social atual.

Hélio Schwartsman, em seu recente artigo publicado na Folha de S.Paulo, ao dizer que a morte de Bolsonaro lhe parecia uma boa ideia, apelou, tal como o dirigente do clube de Bussunda, à estratégia de atiçar a torcida. E como no exemplo bussundiano, as vozes mais diversas também saíram a campo para analisar o fato, e não a intenção do jornalista.

O rosário de opiniões sobre o tema pode ser resumido da seguinte forma: parte defende a liberdade de expressão de Schwartsman, parte defende a punição severa do jornalista, justificada no abuso de seu direito de escrever o que pensa.

A parte que defende a liberdade de expressão de Schwartsman é, quase sempre, a mesma que defende a punição severa dos que falam o que pensam a respeito das nossas instituições democráticas. A parte que defende a liberdade de expressão dos que falam o que pensam a respeito de nossas instituições democráticas é, quase sempre, a mesma que defende a punição severa do jornalista.

Hélio mexeu com a torcida que, em ciranda, se viu amando os que odeia e odiando os que ama, expondo a nu a fragilidade daquilo que entendemos como democracia e a seletividade da aplicação daquilo a que chamamos por liberdades de expressão.

A confusão é bem vinda, mostra a urgência de uma escolha: ou nos filiamos à visão de que as liberdades de expressão devem alcançar a opinião contundente, incômoda, antidemocrática, mórbida ou burra, ou então as liberdades de expressão não significarão mais nada, haja vista defendermos de dia, como direito, o que atacamos de noite, como ilícito.

Certa vez, em meio à efervescência dos festivais dos anos 60, Caetano Veloso voltou-se contra a plateia, que se contradizia em vaias e aplausos, e vociferou que aquela juventude queria matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem.

É algo mais ou menos assim que nos cerca a respeito do tema das liberdades. Com uma diferença, que é a derradeira coisa que faltou falar sobre o artigo de Schwartsman: na época dos festivais, as vaias, mesmo contraditórias, eram um sinal de vigor, de explosão das divergências.

O que vemos hoje é um desejo de implosão do diverso, de emudecimento do contrário, por meio de todo e qualquer artifício: lei de segurança nacional, inquéritos de ocasião, criminalização do jornalismo e opiniões que clamam pela intimidação, pelo calabouço alheio.

E, nesse ponto, com o perdão do trocadilho, Hélio errou sua pontaria, não por dizer o que pensa, mas por pensar que a morte de Bolsonaro, ainda que alegórica, poderia ser benéfica.

O banimento, a exclusão, a extinção do pensamento do outro, por pior que o outro seja, será sempre, ao fim e ao cabo, a extinção do nosso próprio pensamento, que, apagado no escuro da voz única, nunca poderá sobreviver em algo minimamente parecido com uma democracia.

Artigo publicado no Poder 360.

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