Liberdade de expressão política: aquela canção do Roberto e a confusão do STJ

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A cada dois anos temos em nosso país eleições e, nesse ano, a recorrente controvérsia relacionada à liberdade de expressão política já está dando o ar de sua graça com a proliferação de paródias dos mais variados tipos nas campanhas de candidatos a prefeito Brasil afora.

Tudo porque, no início do ano, o deputado Tiririca teve êxito em processo movido contra ele por uma gravadora e pelo cantor e compositor Roberto Carlos, em razão da utilização, em propaganda eleitoral do humorista no ano de 2014, de trecho modificado da canção “O Portão”.

André Marsiglia Santos é advogado constitucionalista, especializado em liberdades de expressão e de imprensa. Idealizador da L+ Speech and Press e sócio do escritório Lourival J Santos Advogados.

O deputado emplacou a tese de que se tratava da utilização de paródia, exceção à proteção conferida pelo direito autoral a obras artísticas, justamente em nome da liberdade de expressão. Com isso, e com as paródias disseminadas nos jingles políticos, um ruído enorme agita a classe artística, que, insegura, teme que suas obras possam ser utilizadas com finalidade eleitoreira, sem qualquer critério ou autorização. E, de fato, a decisão do STJ favorável a Tiririca, tal como proferida, justifica o temor.

Por isso, de saída, precisamos esclarecer algumas confusões conceituais importantes. Primeiro: o que fez o então candidato com a canção de Roberto Carlos realmente foi uma paródia. Afinal, alterou a obra original de modo a satirizar ou homenagear algo ou alguém. Segundo: a paródia é, de fato, uma exceção à regra dos direitos autorais, e intenciona defender a liberdade de expressão, pois, se assim não fosse, qualquer manifestação artística formatada como paródia poderia ser impedida pela vontade subjetiva do autor.

É óbvio, portanto, que uma paródia, uma caricatura, uma escultura, uma pintura, são tão livres de autorização quanto são as biografias para os biógrafos, conforme entendimento expresso do STF no julgamento da ADI 4815. Assim, se o artista não compactua com o político, tem direito de se chatear, mas não o de vetar a manifestação alheia.

O problema da decisão do STJ, no entanto, contrariamente ao que se tem escrito e falado a respeito do assunto, não está nesse ponto. Se acreditarmos que sim, estaremos cometendo o grave e imenso erro de entender que a liberdade de expressão de um político deve merecer menor proteção ou resguardo constitucional do que a de um artista que se vale do recurso da paródia, o que é absurdo, porque a liberdade de expressão não deve olhar a quem protege.

A decisão é problemática por razão diversa — a de não observar a que finalidade se destinou a paródia do deputado. Quando um artista se manifesta no palco e quando um político se manifesta num palanque, estão ambos protegidos pela liberdade de expressão. Porém, quando exploram conhecida obra para, em deliberado apelo publicitário, ou em campanha televisiva, “vender” algo a seu público, ou a seu eleitorado, a questão se torna outra, pois não está mais sob exame jurídico apenas o direito à liberdade de expressão, mas a finalidade publicitária da utilização da obra parodiada.

Seria um tanto hipócrita ignorarmos o mercado publicitário sempre fervilhando por trás das campanhas eleitorais. Portanto, a questão-chave para dirimir a controvérsia é que a obra artística foi, e pelos demais candidatos vem sendo, explorada com finalidade comercial, e é esse o gancho que deveria ter feito o STJ entender que, embora se trate de uma paródia, embora tenha o candidato direito à expressão livre, a exploração desviante de obra alheia enseja, sim, autorização.

Nestas eleições que se iniciam, a decisão do STJ está sendo empregada como uma carta branca para utilizações indevidas, ou, no mínimo, questionáveis de obras artísticas por políticos. Proferida da forma que foi, tal decisão flerta com o perigoso entendimento de que a obra de um artista é de qualquer um, para qualquer uso. Por essa razão, necessita, com urgência, ser reinterpretada, sob pena de uma confusão geral ao longo do pleito. Mais uma.

Publicado no Consultor Jurídico.

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