Como Galvão Bueno mostrou que entende de Direito

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Neste último domingo, uma atração à parte tomou conta da TV aberta brasileira: a volta de Galvão Bueno à narração do futebol, após 14 meses longe das transmissões.

Como de se esperar, seu retorno suscitou paixões nos torcedores e movimentou as redes sociais. Não faltou quem destacasse suas gafes, seu entusiasmo, enfim, seu estilo inconfundível.

Como palmeirense acostumado ao time, assisti ao jogo sabendo que o bom futebol apresentado pelos atletas esmeraldinos não era garantia de muita coisa, e passei desde os primeiros minutos a dividir minha atenção com o irrequieto narrador, que, de fato, estava notadamente animado, e, a exemplo dos comentadores de redes sociais, acredito ter também percebido algo, mas que a todos os demais passou batido: Galvão é um excelente conhecedor do Direito.

Não estou sendo irônico. Juro.

Ocorre que, em dado momento do jogo, Galvão e seus repórteres de campo chamaram a atenção dos espectadores para o fato de que atletas dos bancos de reserva de ambas as equipes estavam correndo aos gritos para os vestiários. Um repórter relatou ouvir gritaria, outro enxergou confusão generalizada, e, como a câmera não mostrava nem a imagem nem o som do que estava ocorrendo, Galvão teve a delicadeza de alertar a seu público que as imagens da partida não estavam sendo geradas pela Globo, mas pela própria organizadora do evento, a CBF.

O narrador aproveitou ainda para, com muita pertinência, criticar que a transmissão não podia se omitir de retratar o episódio ao público, concordando que as televisões não deveriam nunca mostrar imagens de brigas entre torcedores em estádios, mas sempre mostrar a imagem de confusão entre os atletas em campo, personagens principais do evento.

O narrador, não satisfeito, recomendou que isso passasse a ser adotado nas próximas vezes, dizendo ser apenas um conselho de quem já possuía quase 50 anos de profissão.

Galvão está correto.

As imagens de briga entre torcedores dentro de um estádio não possuem relevância alguma para o espetáculo, ressalvada, claro, a hipótese de que eventuais brigas resultem em algum ferido, sobressaindo a relevância do episódio ao da própria partida de futebol. Mas a imagem da confusão de domingo entre os atletas em campo era parte, ainda que secundária, do espetáculo, podendo influenciar em cartões amarelos, vermelhos, e até mesmo no resultado final da partida, e, por essa razão, deveria ser mostrada, a bem do interesse público.

Galvão, pela prática de seus 50 anos de jornalismo, nos mostrou a diferença entre interesse público e o que comumente se chama por interesse do público. Este último é meramente apelativo, sensacionalista, não tem aderência ao evento principal; aquele é parte constitutiva do evento.

A presença do interesse público rege a liberdade de imprensa e serve de baliza ao judiciário determinar se um conteúdo é ou não informativo e jornalístico, deve ou não ser considerado ilícito, pode ou não permanecer publicado.

A CBF, que gerou as imagens, também mostrou os riscos de a liberdade de imprensa se fiar nesse princípio, afinal, em nome da preservação do bem-estar do espectador, do politicamente correto, do fair play, do que quer que seja, é possível que se restrinja o acesso das pessoas à informação, o que é digno de profundo lamento.

O Palmeiras perdeu a final. Não me surpreende. Surpreendente mesmo foi Galvão Bueno. Mostrou que 5 décadas exercendo uma profissão ainda valem mais do que qualquer outro carimbo terrivelmente tolo para referendar alguém a ter bom senso –o que, ao fim e ao cabo, é a virtude mínima, e, nesses tempos, talvez, única que precisa ter um profissional do Direito.

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