No início deste mês, por meio de uma liminar, tentou-se evitar que fossem ao ar nas TVs Globo e Record matérias jornalísticas sobre o influenciador digital conhecido como “Luva de Pedreiro”. Sob o pretexto de impedir a divulgação de informações sigilosas do contrato entre o influenciador e seu ex-empresário e manifestações que estimulassem o discurso de ódio contra este, o judiciário carioca mostrou que precisa aprender, e muito, sobre liberdade de imprensa.
Se há algum posicionamento sólido de nossos tribunais a respeito do tema é o julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, a decisão revogou a autoritária Lei de Imprensa e registrou em letras garrafais que impossibilitar qualquer publicação de ir ao ar constitui censura prévia, algo que não se alinha com uma leitura democrática da Constituição.
Não tem “mas”, não tem “se”. Impedir de publicar é censura prévia. Ponto. O judiciário carioca, portanto, sob as vestes de uma decisão liminar, cometeu censura e o julgador enfrentou a autoridade de uma das poucas decisões consistentes do STF a respeito da temática.
Como se não bastasse, a decisão censória ainda usou conceitos jurídicos completamente equivocados para fundamentar seu entendimento, afirmando que (i) o sigilo existente nas cláusulas de um contrato é suficiente para impedir que a imprensa trate dele, (ii) a exibição da reportagem promoveria ódio e ameaças ao autor da ação.
Primeiro, para a imprensa um contrato não é apenas um documento jurídico. Se dotado de interesse público, é uma notícia. O documento pode ter sigilo, mas a existência do documento é um fato que pode ser publicizado.
Segundo, e mais elementar ainda: se a matéria jornalística pode suscitar ódio em terceiros, a imprensa não tem nada a ver com isso. Se o artigo 18 do Marco Civil da internet exime de responsabilidade os veículos pelos comentários deixados pelo leitor, seria um contrassenso uma emissora de TV se tornar responsável pela existência de ameaças a alguém em razão daquilo que exibe. Além disso, trata-se de um ódio eventual, de uma ameaça eventual, de um terceiro hipotético. O juiz censurou em hipótese.
É muita pirueta para que uma liminar relativizando um direito fundamental como o da liberdade de imprensa pudesse ser dada. Impedir de publicar, retirar do ar, são sempre medidas de força e, portanto, de exceção. Na dúvida, a regra: publicar, manter no ar. É assim que os juízes devem usar as liberdades de expressão e de imprensa.
Artigo publicado no Estadão.