O novo texto do projeto de lei foi entregue nesta quinta pelo relator; o tema divide opiniões, com a base do governo Lula favorável, e opositores ligados a Bolsonaro reclamando de censura
Uma nova versão do PL 2630 das Fake News foi apresentada nesta quinta-feira, 27, na Câmara dos Deputados, pelo relator e deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). O atual texto retirou a criação de um órgão fiscalizador da atuação das plataformas, mas manteve a ideia principal já discutida: prever novas diretrizes para as redes sociais em relação a crianças e adolescentes, veiculação de notícias, divulgação de conteúdo falso e impulsionamento de propaganda eleitoral e de conteúdos políticos.
O Estadão entrevistou dois especialistas, com opiniões opostas na área, para entender as opiniões sobre o projeto de lei. Para Rose Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab) da UFRJ, a aprovação do PL é o primeiro passo para “começar a limitar os danos que podem ser causados a população” pelas Big Techs.
Já André Marsiglia, advogado constitucionalista e professor especialista em censura e liberdade de expressão, contrário à proposta, defende que o texto, como está redigido, apresenta “brechas e dubiedades que abrem caminho para interpretações subjetivas e arbitrárias que resultarão inevitavelmente em censura”.
Atualmente, o texto tramita em regime de urgência (aprovado na última terça-feira com 238 votos a favor e 192 contrários) e vai à votação em plenário na próxima terça-feira, 2. Até lá, as negociações em torno da proposta que vai a voto continuam, e o relator não descarta a apresentação de um novo texto, com outras mudanças.
Como você enxerga a retirada do órgão fiscalizador?
Marie: A retirada do órgão regulador é muito ruim, é um retrocesso, porque ele é absolutamente necessário para aplicar a lei. Não existe regulação sem regulador. É preciso instituir um órgão regulador para fiscalizar, detalhar a lei e aplicar tanto a lei quanto as sansões administrativas. Será preciso retomar isso antes da votação. Caso contrário, o PL fica muito frágil, que é o que as Big Techs querem.
André: A retirada do órgão fiscalizador e as últimas mudanças no texto são um bom sinal de que o Legislativo está ouvindo alguns apelos da sociedade civil. No entanto, é tarde. O eixo do projeto atinge em cheio a população que se expressa nas redes e ela não foi chamada para o debate. Da forma como o projeto está redigido, sou contra. Há brechas e dubiedades que abrem caminho para interpretações subjetivas e arbitrárias que resultarão inevitavelmente em censura.
Para além do órgão fiscalizador, como você vê as demais alterações no texto? São positivas, negativas e por quê?
Marie: Percebemos que o texto da PL 2630 teve vários recuos como as contas de interesse público e a remuneração das contas de interesse público, que considero negativo. Porém, considero positivo ele ter mantido um repositório de anúncios para todas as plataformas, independente se o anuncio é eleitoral ou não. Mas, aqui temos um problema grave que permanece que precisa ser corrigido urgentemente: segundo o texto apresentado ontem, esse repositório só precisará ser atualizado semestralmente. Essa palavra “semestralmente” torna esta uma obrigação completamente ineficiente. Imagina demorarmos seis meses para identificar anúncios de golpe e fraudes que causam danos econômicos aos consumidores, anúncios de produtos fakes que enganam o consumidor, ou mesmo anúncios gravíssimos de estimulo a massacre nas escolas? Temos que ter acesso a esses anúncios em tempo real, tal como em todos os outros meios de comunicação. A Meta oferece isso atualmente, e não podem retroceder na transparência que já conquistamos.
André: Mesmo com as alterações, não acredito que o projeto esteja adequado. Há erros principiológicos. Regular as redes sociais, na maior parte dos países, não significa o Estado policiar discursos, nem exigir que as plataformas o façam, mas obrigá-las a expor seus critérios de gerenciamento de conteúdo, aclarando de que forma criam e desfazem bolhas de afinidades, de que forma impulsionam e desestimulam grupos de interesses políticos ou ideológicos e como lucram com isso.
No atual contexto, o relator argumenta que todo o PL poderia acabar reprovado na Câmara sem essas alterações. Como você avalia a evolução do tema no Congresso? É uma vitória das big techs e por que? O que ainda temos de avançar nesse debate e na regulação como um todo?
Marie: As Big Techs são empresas muito poderosas e estão jogando muito pesado e sujo para evitar a regulamentação que tem o objetivo de dar transparência e proteger o consumidor no Brasil. Certamente, precisamos avançar no debate e amadurecer vários pontos da regulamentação, e isso deverá ser um exercício constante, mas a aprovação da PL2630 é um primeiro passo, mas um passo fundamental para começar a limitar os danos que podem ser causados a população, que são muitos, por isso a sua aprovação é tão urgente.
André: O projeto será aprovado, mesmo com erros e ausências, mesmo com resistência das redes. Não creio que haverá grande dificuldade no Congresso para a aprovação, independente da redação. E isso porque há uma imensa pressão do Executivo e do Judiciário. Se o Congresso hesitar, perderá o protagonismo sobre o tema. Não acho que as alterações foram uma vitória das plataformas, elas chegaram tarde para o debate e, sob qualquer redação, serão muito afetadas. Sobre a regulação, avançaremos apenas quando entendermos que essa luta contra discursos de ódio e desinformação não se ganha no varejo, mas no atacado. Ou seja, uma regulação deveria se preocupar em fiscalizar como as plataformas fazem escolhas de distribuição de conteúdos aos usuários e lucram com isso, e não colocá-las como polícia do que escrevem seus usuários.
Artigo publicado no Estadão.