O que fica dos julgamentos dos atos do 8 de Janeiro

Ministros poderiam ter usado os julgamentos para tentar desfazer visão de que inspiram medo, escreve André Marsiglia

Não parece haver dúvidas de que os reús do 8 de Janeiro serão todos condenados a penas muito pesadas. O Supremo quer dar um recado contundente e não poupará esforços para isso.

É inegável que a Corte se sentiu acuada e muito desconfortável com as críticas ostensivas e reiteradas de Bolsonaro e seus seguidores e quer agora mostrar quem manda. Não se pode ignorar também que parte dos ministros colaborou para o imbróglio ao se colocar em um lugar de protagonismo político indesejável a quem faz parte de um Tribunal constitucional, carregando a instituição a seu reboque.

Seja como for, o recado do STF está sendo dado. Acredito que bolsonaristas e –espero– petistas pensarão duas vezes antes de atear fogo ou invadir prédios da praça dos Três Poderes.

No entanto, os julgamentos a que estamos assistindo não deveriam servir só para fazer lembrar da força de um poder da República, mas também para deixar claro que antes de toda e qualquer coisa, o STF é uma Corte de justiça.

Não consigo imaginar que os julgamentos de qualquer destes réus, se em trâmite perante a primeira ou segunda instâncias, resultariam em condenações brutas como a de 17 anos de prisão em regime fechado, destinada ao 1º réu. E se resultassem, decerto, os advogados teriam tranquilidade em afirmar a seus clientes que as instâncias revisoras abrandariam a pena, sem apego a tamanha rigidez e envolvimento emocional com o caso.

Muito antes de terem nascido O Príncipe de Maquiavel e O Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, Aristóteles já considerava como valor-essência da justiça a “proporcionalidade”, aplicada pelo homem experiente, dotado de prudência –termo que associado à justiça resultou no que hoje conhecemos como “jurisprudência”.

A Corte está mostrando poder, mas está perdendo uma boa chance de mostrar também sua capacidade de ser prudente e serena diante dos acontecimentos, dosando com adequação as penas e evitando erros graves, como a imputação de crimes que se absorvem, como o de golpe e abolição do Estado democrático, em evidente e reprovável “bis in idem”.

Não concordo com a fala do advogado do 1º réu, que afirmou, da tribuna, que os ministros do STF são os mais odiados do país. Em uma República mequetrefe como a nossa, o título de autoridade mais odiada não é tão simples de se alcançar. A disputa é muito grande.

Mas, se não são odiados, inspiram medo. Algo pior e muito triste para um Estado democrático fundado no valor da justiça. Os ministros poderiam ter usado os julgamentos para tentar desfazer essa visão. Não fizeram. Não quiseram fazer. Não sei.

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