O filme de Danilo Gentili e o ridículo social

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O ministro da Justiça, Anderson Torres, na semana que passou, descobriu na Netflix o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, produzido e estrelado por Danilo Gentili em 2017. Entendeu por bem parar tudo o que fazia e travar uma luta contra a obra, alegando que ela incitava a pedofilia. Tentou proibir sua veiculação, alterou a classificação indicativa de 14 para 18 anos e mobilizou o debate público com o tema.

Mesmo que o ataque ao filme tenha intenções políticas, em pleno 2022, termos de sair aos jornais para refutar um ministro da Justiça, explicando que às cenas ficcionais que simulam crimes não podem ser imputadas as penas e as normas jurídicas da realidade, é um sinal de que realmente perdemos todo o senso do ridículo.

Há uma velha piada que conta que um manipulador de ventríloquo, durante o espetáculo, pela boca do boneco, começou a xingar a plateia. Um dos espectadores, exaltado, dirigiu-se ao palco aos berros. O manipulador pediu que ele retornasse a seu assento, desculpando-se, e o espectador lhe disse: “cale a boca que estou falando com o boneco”.

Viramos essa pessoa da plateia. Saímos do trilho. Tomamos piada por ofensa e ofensa por opinião; opinião por notícia, notícia por fake news e fake news por verdade. Confundimos a pessoa do autor com a obra e a obra com o mundo real.

Não à toa tem se tornado cada vez mais comum livros de Monteiro Lobato serem banidos por suposto racismo, estátuas serem agredidas como se fossem gente, e colunistas de opinião serem processados e levados pela polícia federal para serem inquiridos sobre o que disseram, como se uma opinião fosse puro suco da verdade, e não meramente o ponto de vista do que é a verdade para aquele que opina.

Não à toa os artigos opinativos que escrevo na imprensa são confundidos por alguns leitores com o que pensa o veículo que os publica a respeito do tema. Não raramente acreditam que se trata o que escrevo de uma notícia. Perdemos a sensibilidade com as sutilezas do mundo. Toda cor é qualquer uma.

Mas chegarmos ao extremo de imputar à ficção as normas da realidade é um pouco demais. Se levarmos com firmeza o intento do ministro da Justiça, Hitchcock passa a ser um genocida, biógrafos de Hitler passam a ser nazistas, a própria Bíblia, que conta a história de tantas guerras e mortes, passa a ser atentatória à humanidade.

Nada pode ser mais ridículo a uma sociedade do que chegar a esse ponto em que estamos. Por mais que o episódio tenha nuances políticas e repercussões jurídicas, o que deixa de mais marcante é nos mostrar o quanto nos rebaixamos, o quanto nossa visão social de mundo está cada vez mais miserável.

Publicado na coluna de Fausto Macedo no Estadão.

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