Hostilidade a ministro não é sempre ataque à democracia

A incivilidade de uns não pode ensejar o revide de outros – sobretudo o do Estado, escreve André Marsiglia

Caro leitor, este é meu artigo de estreia no Poder360. Seja sempre muito bem-vindo a este espaço em que, todas as terças-feiras, tratarei de temas relacionados ao Judiciário e às liberdades de expressão. Às vezes, falarei de política e, no dia em que o país estiver finalmente calmo e pacificado, de amenidades e receitas de bolo. 

Inicio com um levantamento de dados publicado por este jornal digital no domingo (30.jul.2023), em que se conclui que ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) foram hostilizados no mínimo 74 vezes nos últimos 6 anos. O mais antigo episódio data de 2017. Em 53 dos 74 episódios, não houve judicialização do caso.

Pois bem, como devemos interpretar esses dados? O ministro da Justiça, Flávio Dinomanifestou-se a respeito no Twitter, dizendo não se tratar de hostilidades pessoais, mas de agressões à Constituição. O que o ministro provavelmente quis dizer é que todas as hostilidades contabilizadas foram agressões ao Estado democrático.

Não posso concordar com isso. Nossa democracia está sob ataque desde 2017? Se estamos sob ataque há tanto tempo sem saber, as autoridades teriam agido com incompetência na defesa do Estado até então? Os casos não judicializados teriam sido uma desatenção do Estado aos ataques à democracia? Neste caso, as autoridades que não levaram a ferro e fogo o enfrentamento a todas as hostilidades teriam agido de forma irresponsável?

Ou nem toda hostilidade a ministro do STF é um ataque ao Estado, ou muitos desses ataques à democracia foram ignorados pelas autoridades. A 1ª hipótese é grave. A 2ª, gravíssima. 

Nem lá, nem cá, ministro Dino. Não podemos tomar de forma imediata e automática qualquer hostilidade contra ministros do STF como sinônimo de ataque à democracia. Hostilidades são condutas criminosas e devem ser punidas. Mas daí a ser sempre uma ofensa ao Estado é uma interpretação equivocada ou, no mínimo, precipitada. 

Tenho insistido que atentar contra o Estado é crime que não dispensa a caracterização da intenção inequívoca do autor de abolir a democracia. Não importa qual a autoridade envolvida, não importa o momento do país. 

Entendo perfeitamente o argumento dos que dizem que quando, por exemplo, um advogado é hostilizado, não tarda a que a classe se una para dizer que se tratou de um ataque à advocacia. De fato, mas é um argumento simbólico, não uma acusação formal. Quem hostiliza advogado não é automaticamente processado pela tentativa de abolir a advocacia. A intenção do autor em casos do tipo é relevante e deve ser examinada com a maior cautela possível – algo que, muitas vezes, não tem sido feito.   

Obviamente, é lamentável que estejamos tendo de lidar com hostilidades e agressões a ministros do STF, autoridades e agentes públicos. Isso denota o fundo do poço de civilidade a que chegamos. 

Mas a incivilidade de uns não pode ensejar o revide de outros. Sobretudo o revide do Estado, que carrega consigo toda potência e força de que o nutrimos com nossos impostos para nos proteger. 

Para nos proteger, caro leitor, não para atacar nem para combater nada nem ninguém. Portanto, é necessário que haja prudência. Estado democrático não revida, Estado democrático não se vinga.  

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